quarta-feira, 14 de agosto de 2013

a sutileza de leonardo ramadinha

Conhecido por fotografar uma natureza solitária e não identificável, Leonardo Ramadinha é um fotógrafo simplório e sensível, que busca na sutileza capturar situações cotidianas.

Capilares #10, da série Capilares

Ao construir cenas românticas e, muitas vezes, lineares, transforma o observador em sujeito vivente da imagem e não somente em um mero espectador. Suas séries fotográficas possuem títulos poéticos como "Parte de Mim é Mar", "Topografias de um Sonho" e "Instantes Depois da Tempestade".

Ramadinha já participou de mais de 50 exposições coletivas e individuais, no Brasil, Argentina, EUA, Colômbia, Alemanha e Eslovênia.

Quando o Carnaval Passar, da série Diários

Bem Guardado, da série Love Story

Marés #3, da série Parte de Mim é Mar


A equipe do FalaCultura conseguiu uma entrevista com o artista e compartilha em primeira mão com vocês, leitores:

- Vi que você se formou em Comunicação Social, como foi que surgiu a idéia de trabalhar com fotografia?

Na verdade isso acabou acontecendo, não foi um desejo direto. Eu sempre gostei de fotografar mas não passava pela cabeça levar isso a sério como forma de expressão ou carreira artística. Foi tudo meio sem querer. Durante um período da faculdade eu acabei indo fazer um curso de fotografia de dois meses e fiquei dois anos estudando. Fui emendando um no outro. A fotografia me abriu a cabeça para ver outras coisas e mais ainda para ver as coisas de uma outra maneira. Aí, não tinha mais como largar. Eu comecei a ver que aquilo poderia ser uma forma de expressão de muita força que me interessava bastante.

- Você trabalha bastante com a natureza, com espaços vazios e com a não-identificação destes e de personagens. O que você busca mostrar com isso?

A fotografia de um modo geral carrega um ranço de ter sempre que ser documento de alguma coisa. Acho essa questão de limitar a “fotografia como o registro e documento do real” muito chato e uma grande mentira. Me interessa muito mais a fotografia como um trampolim para uma outra coisa, uma outra interpretação, uma outra viagem. Me interessa produzir uma obra aberta de interpretações, uma coisa híbrida que permita a quem está vendo experimentar sensações que não necessariamente sejam as mesmas que me motivaram a produzir aquela imagem ou aquela série. Existe um viés, claro, uma linha de pensamento na minha cabeça que sugere uma criação e uma possível leitura, mas eu prefiro sugerir isso de uma forma delicada e sutil no meu trabalho do que deixar explícito, entende? Provavelmente por isso essas imagens não sejam identificadas justamente para não deixar claro e não amarrar. Aquela imagem pode ter sido feita ontem no centro da cidade ou há dez anos atrás durante uma viagem a algum lugar. O vazio é uma constante no meu trabalho e me interessa muito como conceito porque ele pode ser carregado de outros significados. Uma nova possibilidade de interpretação. É uma experiência de usar a fotografia para fazer o registro da ausência, daquilo que não está ali.

Eu, Você e os Outros, da série Parte de Mim é Mar

- Você diria que o seu trabalho é conceitual, ou puramente estético?

Não tenho muito interesse num trabalho que seja somente estético e decorativo. Todo trabalho no fundo tem um conceito. Quero o meu trabalho como uma forma de expressão pessoal e sempre tento juntar isso ao conceito daquilo que penso. Esse conceito algumas vezes surge depois das imagens feitas e acaba virando uma outra coisa, o que também é interessante. O conceito e a idéia inicial algumas vezes podem servir como um estopim para um outro pensamento que ainda está guardado e não apareceu.

- Como costuma ser o seu processo criativo? Como normalmente surge a idéia de fazer determinada sessão de fotos?

Olha, não existe uma regra com relação a isso. No meu caso, é até estranho, mas ele acontece ao contrário. O processo surge muitas vezes a partir de uma determinada imagem. Eu simplesmente fotografo. Olho uma cena, um espaço, alguma coisa e por algum motivo que eu não sei explicar qual, eu fotografo aquilo. Na verdade, aquela cena me atrai e eu vou lá e guardo. Depois olhando essas fotografias de arquivo começo a juntar imagens e a trabalhar as idéias. Existe uma questão inconsciente no meu trabalho e isso abre a possibilidade do conceito vir depois da imagem feita. Uma imagem pode levar anos guardada. Acho que daí que vem essa questão que você colocou da não identificação dos espaços, do vazio, do não-lugar da imagem. Esse processo de criação me permite descobrir outras coisas subjetivas que muitas vezes se mostram fortes nesse instante. Construir a partir de imagens de arquivo, pra mim é quase como um garimpo, ir olhando juntando pedacinhos de uma outra história e reescrever a partir daí. E quando essas séries começam a aparecer e o trabalho tomar corpo é uma descoberta e uma surpresa pra mim. Toda essa loucura me permite juntar imagens que no ato fotográfico não foram pensadas para trabalhar juntas e criar uma outra história. Algumas são imagens da vida cotidiana, cenas banais, vestígios que quando saem das circunstâncias banais acabam por criar um outro valor e juntas viram uma nova possibilidade de interpretação. Minhas fotografias não têm uma leitura única. Eu não sou ingênuo de achar que alguém que veja o meu trabalho vai pensar exatamente aquilo que pensei quando criei. Nem quero isso. Existe uma poética e uma carga emocional grande ali, é a minha maneira de ver as coisas. E fico feliz de poder expor isso e as pessoas buscarem referências em si mesmas para criar uma nova leitura. Quero produzir uma obra aberta, alguma coisa que permita uma reflexão sobre um assunto e não algo fechado, formatado com uma interpretação única.

Assim Construí Meus Sonhos, da série Love Story

- Onde você busca inspirações?

Tudo pode ser inspiração. Eu na verdade sou um apaixonado pela imagem, a fotografia é conseqüência. Posso me inspirar numa paisagem, numa tela, numa palavra. Aliás a palavra é um elemento que tem certa força no meu trabalho, algumas vezes como um título outras chegando até a aparecer junto a imagem. Em alguns trabalhos eu uso a palavra como um elemento de criação que sugira uma referência com a fotografia. Outra coisa que me inspira muito é a delicadeza. A delicadeza que aparece na vida cotidiana, no urbano, em cenas banais, comuns e que quando trabalhadas despertam uma potencialidade enorme e aí deixam de ser banais.

De Todas as Coisas Que Perdi Pelo Caminho Uma Delas Fui Eu Mesmo, da série Pelo Caminho

- Quais suas influências artísticas?

Todo artista que eu gosto, de alguma maneira acaba por virar uma influência. Em fotografia Miguel Rio Branco, Mario Cravo Neto e Claudio Edinger são hors concours. O trabalho de apropriação da Rosângela Rennó também me é muito interessante. A poética, a delicadeza e a força dos trabalhos do Nazareno e do Leonílson são emocionantes. Adoro arte urbana. Sou muito fã do trabalho do Zezão; é maravilhoso. Eu andava por São Paulo olhando para os muros procurando trabalhos dele. Fico feliz de vê-lo circulando mundo afora e ao mesmo tempo levando o seu trabalho para a periferia de São Paulo com o mesmo respeito e cuidado. Esse também é o papel do artista. Enfim, todos esses são influência. Uma coisa que eu quero muito é um dia poder ter um trabalho de cada um deles na parede da minha casa. Olhar pra parede e saber que cada um daqueles tem uma importância enorme no meu trabalho.

Ramadinha, atualmente, é colaborador da revista de arte visuais DasArtes e um dos editores da revista eletrônica, também de artes visuais, Verbete.art. O artista é representado no Rio de Janeiro pela Galeria Luciana Caravello Arte Contemporânea, na qual, em outubro, realizará uma exposição individual (fiquem ligados pois nós cobriremos a exposição!).

Confira um pouco mais do seu trabalho em seu site pessoal!


[Texto originalmente produzido para o site FalaCultura e publicado em 26 de janeiro de 2012]

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